Na segunda metade do século XIX, o território que atualmente corresponde a cidade de Jardim do Seridó-RN, passava por um momento de extrema transformação, objetivando o conhecimento e o reconhecimento daquele espaço enquanto uma cidade. Em 1856 fora criada a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Azevedo, padroeira do lugar e, em 1958 a Povoação da Conceição foi elevado à categoria de vila, com o nome de Villa do Jardim. A criação da freguesia significou que aquele território agora possuía autonomia administrativa, sobretudo em assuntos religiosos, pois se encontra sobre a responsabilidade de um pároco. Especificamente, a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Azevedo teve como primeiro pároco o padre Francisco Justino Pereira de Brito, que transformou a diminuta capela em igreja matriz, trabalho este concluído em 1862.
Com a ereção de um templo mais suntuoso, chegava para habitar em um dos altares laterais, a imagem de Nossa Senhora do Rosário; cujo culto no Brasil e em Portugal é realizado principalmente pelos negros, libertos ou cativos, conforme aponta os estudos de Julita Scarano (1975). Nesta óptica, a partir de 1863 um grupo de negros liderados por Joaquim Antônio do Nascimento e, tendo como primeiro batedor de caixa Luiz Joaquim de Santana, tambor-mor Marcelino da Boa Vista e capitão de lança Francisco do Logradouro, teve início às festividades em louvor a Nossa Senhora do Rosário na Villa do Jardim, hoje cidade de Jardim do Seridó-RN. Porém, a criação de uma sociedade religiosa, reconhecida pela Igreja e também pelo Estado, através do laço que unia estas duas instituições, o Padroado, só aconteceu em 1885, quando a Assembléia Legislativa da Província do Rio Grande do Norte aprovou o compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário da Cidade do Jardim, através da Lei Nº 951 de 16 de abril de 1885.
Esta Lei ou compromisso dispõe sobre a estrutura que a Irmandade da Virgem do Rosário deveria seguir. O artigo 1º institui a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição “cuja Imagem está collocada na igreja matriz desta cidade”; enquanto que os incisos seguintes dispõem sobre as pessoas que deveram fazer parte desta grei, devendo haver “um juiz, uma juíza, por eleição, um thesoureiro, um procurador e um escrivão”. Cabendo ao tesoureiro, dentre outras funções, “determinar de accordo com a mesa a solenidade da Santa, segundo os dinheiros existentes em seu poder”. As solenidades são celebradas nos dias 30 e 31 de dezembro e 1º de janeiro de cada ano, sendo que nas festas de Nossa Senhora do Rosário em Jardim do Seridó-RN, também se venera São Sebastião.
Todos os momentos destas festas contam com a presença dos Negros do Rosário, dançando com suas bandeiras e espontões (bastão enfeitado com fitas coloridas em sua extremidade), ao som das caixas, tambores e pífaros. Segundo o antropólogo Veríssimo de Melo, a dança do espontão é “própria da festa, pois não ouvimos semelhante noutros folguedos populares no Estado. Interessante é que não cantam nada. Tocam e dançam apenas, improvisando passos, gingando” (Melo, 1964, p. 11). A Irmandade é formada por dois grupos de negros: os da comunidade rural Boa Vista dos Negros localizada no município de Parelhas-RN e os de Jardim do Seridó-RN, também chamados de “Caçotes”, apelido herdado por uma família de cor.
A singularidade destas festas se faz notar, principalmente, na noite do dia 31 de dezembro, pois as altezas reais e suas cortes fazem distinção, vestidos a caráter, assistindo aos atos litúrgicos no presbitério do altar-mor. É neste dia que acontece o ritual de coroação dos “reis negros”, cujo ritual acontece no exterior da Igreja e é antecedido por um encontro dos dois grupos de Negros do Rosário que compõe a Irmandade, dividindo as posições do reinado: Rei Perpétuo e Rainha Perpétua, Rei do Ano e Rainha do Ano, Juiz Perpétuo e Juíza Perpétua, Juiz do Ano e Juíza do Ano, Escrivão e Escrivã, Presidente e Presidenta e, igualmente o grupo de pífaros, tambores e saltadores. O Rei e Rainha, “Perpétuos”, seguram as coroas que foram conduzidas em procissão pelos “Guardas de Honra” e, sem nenhuma proclamação, colocam-nas sobre as cabeças dos novos reis. Aos aplausos dos presentes, segue a homenagem da Banda de Música Euterpe Jardinense, que toca um dobrado exclusivo para os negros coroados de reis; enquanto estes, incomodados pelo peso das coroas feitas de bronze procuram acomodá-las à cabeça. Ao reinado, são reservados os melhores locais na Igreja e participam dos atos litúrgicos, como novena, missa e procissão.
Já no dia primeiro de janeiro, “dia da festa” em Jardim do Seridó-RN, logo pela manhã, a Irmandade de São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário se reúne em “Mesa”, para deliberar os assuntos referentes à congregação e proceder à eleição dos reis que assumiram os cargos na próxima festa; é certeza de que esta tradição ancestral sobreviverá. A corte reunida se põe em procissão, juntamente com os Negros do Rosário, até a Igreja onde é celebrada a Missa Solene da Festa, seguida de almoço da Irmandade em uma das residências da “elite jardinense”. À tarde, realiza-se a grande procissão de encerramento da festa, apresentação dos reis eleitos e decidas das bandeiras dos santos cultuados.
Por: Diego Marinho de Gois
Bacharel e Licenciado em História pela UFRN
Se você quiser saber um pouco mais sobre a Irmandade de São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário de Jardim do Seridó acesse: negrosdorosario.blogspot.com
CÂMARA MUNICIPAL DE JARDIM DO SERIDÓ É PARCEIRA DA CASA DE CULTURA
obrigado por divulgar a nossa Festa.
ResponderExcluirA festa do Rosário é o maior patrimônio cultural de raízes que nós temos. Todos os jardinenses têm obrigação de lutar para que esta tradição seja cada dia mais relevante no calendário cultural e de turismo de eventos em nossa região.
ResponderExcluir